No Teatro: Restos

A história da peça Restos poderia ser clichê: um homem fala de sua mulher no dia do velório desta.
Só que quando se tem em cena Antonio Fagundes, a excelência toma conta de todos os espaços, e o lugar-comum abre alas para surpresas que podem vir de cada grão de areia {que cai de um dos cantos do cenário} ou de cada segundo de silêncio {três minutos surpreendentes}.

Ed é um homem apaixonado, que vê a vida se esvaindo pelo câncer que acaba de levar Jo, a mulher amada. Como foi amada aquela mulher! Que amor resplandecente nas expressões de alegria das lembranças e dor da perda! Ed torna a plateia confidente, quando, em uma sala paralela ao velório, fala sobre Jo: como se conheceram, as relações amorosas que os dois tiveram antes, os filhos, a vida social. Ed reluz. Antonio Fagundes reluz.

O câncer é assunto: culpa do vício, o cigarro, que não contente em levá-lo, toma-a dele oito meses antes. Sua morte está premeditada, os médicos avisaram: faltam oito meses. Mas ela foi antes, vítima da fumaça que o amado exalava... Maldito vício. Mas vício é vício, não é?! Com efeito.

Com efeito Restos é uma das melhores peças da temporada. Sem dúvida a mais elegante.Nos traz um Antonio Fagundes maduro, tão competente, tão talentoso, tão possível! Ele chora e ri. Mas não apenas chora e ri com a técnica dos atores: ele vive cada uma daquelas palavras. Interpreta com maestria o texto do americano Neil LaBute, traduzido por Clarisse Abujamra. O cenário de André Cortez e o figurino de Ricardo Almeida são o complemento para a solidão que grita e se despedaça naquele homem. Vestido em um elegantíssimo terno completo, ele tem os pés descalços. Por que?

Esse e outros "porquês" nos são respondidos depois do espetáculo quando Antonio Fagundes volta ao palco, desta vez com as próprias roupas, cortinas fechadas e sentado em uma cadeira branca, para conversar com a platéia. A interação torna-se completa. "Porquês" se multiplicam. Percebemos então quão além do óbvio vai a grandiosidade do texto de Neil LaBute, da direção de Marcio Aurélio, e principalmente, da interpretação de Antonio Fagundes.

O principal "por que" é segredo total, restrito apenas aos que assistiram ao espetáculo. O texto conta com o chamado "golpe de teatro", uma surpresa que surge nos últimos cinco minutos e faz a platéia repensar tudo o que já viu.

Eu assisti. Eu sei. Eu me surpreendi. O que é?

Vá ao Teatro dos Quatro e descubra. Mas vá logo, porque a temporada de Restos acaba neste fim-de-semana. Para os que gostam de teatro. Para os amantes da Arte.

Serviço:
Teatro dos Quatro
Rua Marquês de São Vicente 52, 2º andar, Shopping da Gávea.
Telefone: {21} 2274-9895.
Qui a sáb, às 21h30. Dom, às 20h. R$ 70,00 (qui e sex) e R$ 80,00 (sáb e dom).
Classificação etária: 12 anos.
Duração: 70 minutos.
Capacidade: 420 lugares.
Até 28 de março.
E aviso importantíssimo: seja pontual.

fotos: divulgação Barata Comunicação.


Até a próxima,

Lathife Cordeiro
@VisaoArte

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