Oscar 2010: Nem sempre o mais sério é melhor

por Gabriela Santos Mendes*

Hollywood não gosta de Hollywood. Ou melhor, Hollywood não tem gostado de Hollywood. É só olhar para as últimas edições do Oscar. O último filme grandioso, popular, de sucesso comercial a ganhar foi O Senhor dos Anéis, há seis anos. De lá para cá, Menina de Ouro, Crash, Os Infiltrados, Onde os Fracos Não Têm Vez e Quem Quer Ser Um Milionário? levaram o careca. O público não gostou e a audiência rolou ladeira abaixo. Aliás, foi o Titanic de Cameron que levou o evento à sua maior audiência de todos os tempos: 55,2 milhões de espectadores.
Tarantino e o elenco de Bastardos Inglórios: filme forte e consagrador

Este ano, Avatar poderia fazer o público se reconciliar com a Academia. Entretanto, foi só piscar o olho para o Tom Hanks cuspir "Guerra ao Terror". Sim, ganhou o filme que teve o produtor proibido de comparecer à cerimônia por ter enviado um e-mail a membros da Academia pedindo votos para a produção e depreciando o concorrente de Pandora. Avatar pode ter salvado a indústria com seu 3D, aumentado a audiência do Oscar, ser o mais hollywoodiano dos filmes indicados e o preferido de uma multidão, mas não merece ser laureado, dizem os membros-votantes. E assim Hollywood virou as costas para o seu público. Outra vez.

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Avatar não era meu preferido. Gostaria que ganhasse UP ou Bastardos Inglórios. Torcida inútil. A Academia não é pop para dar a estatueta a Avatar e nem corajosa para premiar uma animação ou um Tarantino que reescreve a História. Então o prêmio principal foi injusto? E o que eu acho de Guerra ao Terror? Bem, vamos lá: boa montagem, bom suspense, excelente som, tecnicamente muito bem dirigido. E tem o mérito de afastar a política do centro do debate sobre a guerra no Iraque e usar técnicas de documentário para trazer o espectador para o combate. Mas eu não o colocaria nem como finalista na categoria Melhor Filme (poderia incluí-lo na de Direção, contudo). É interessante, mas só isso. Enérgico, eletrizante? Sim, porém, quando rolou a milionésima explosão ensurdecedora no cinema, eu já contava no relógio os minutos para o fim.
explosões marcam o campeão Guerra ao Terror
na foto abaixo, a diretora Kathryn Bigelow

Não acho que seja um clássico filme do gênero Guerra. E tem sentido. A iniciativa militar Guerra ao Terror ou Guerra ao Terrorismo, desencadeada pelos EUA a partir dos ataques de 11 de setembro, não é bem uma guerra. Não se trata de um exército enfrentando outro. Ou de países declarando guerra oficialmente um ao outro. Os militares americanos enfrentam um inimigo a princípio sem rosto. Por isso o filme de Kathryn Bigelow é tão tenso. O tempo todo dá a sensação de que a morte iminente está na próxima esquina. É preciso desconfiar de tudo e de todos. Tudo isso no meio de uma pá de civis, que olham pelas janelas, vendem DVDs piratas, jogam bola ou têm, contra a sua vontade, uma bomba amarrada à cintura. Esse conflito urbano, sujo, tenso, seco e diário se aproxima mais de Tropa de Elite do que de qualquer filme clássico de guerra. Guerra ao Terror é um filme de ação. E o personagem principal, por sinal, tem o pavor pelo confronto justamente substituído pela busca incontrolável de ação, de adrenalina.

Guerra ao Terror é realmente um filme interessante, mas para por aí. Acusaram o roteiro de Avatar de ser batido, superficial, clichê. Pois Guerra ao Terror não vai muito além de explosões e da historieta do vício pela guerra (sem contar o escândalo que explodiu nos últimos dias: o enredo pode ter sido "chupado" de uma história real, sem dar nenhum crédito). Entre um filme independente com um fiapo de história e ação apelativa (tem até bomba em cadáver de criança!) e um blockbuster escapista que entrega a diversão que promete (e dá de brinde uma revolução técnica para a indústria cinematográfica), fico com o segundo.
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Hollywood tem medo de parecer infantil por premiar bichos azuis? Medo de entrar no oba-oba e consagrar o longa mais rentável da história do cinema? Medo de apostar na fantasia? Bem, essa é a Hollywood que esperou Spielberg fazer um filme "sério" para dar algo a ele (quando ele deveria, na verdade, ter levado por E.T.). Essa é a Hollywood que tem vergonha dos seus filhos mais bem-sucedidos. Na bela homenagem a John Hughes, Ally Sheedy citou certa fala de um filme do diretor de adolescentes que é perfeita para encerrar esse texto:
"quando você envelhece, seu coração morre".

Hollywoood ganhou austeridade na noite passada. E isso é bom?




*Um pouco sobre Gabriela Santos Mendes:
Jornalista, cinéfila, possui uma coleção de DVDs com mais de 300 títulos, assiste ao Oscar desde os 10 anos de idade e tem quatro livros sobre o prêmio, incluindo Tudo Sobre o Oscar e Os Bastidores do Oscar. Ah, acabou de ganhar - na empresa onde trabalha - o bolão dos Academy Awards!

twitter: @gabbiroba



ps. além de ultra-talentosa, Gabriela {Gábbi} é minha grande amiga há muitos anos. Por isso é uma honra estrear a seção de colunistas da nova fase do site da Visão.Arte com um texto dela - ainda mais falando sobre cinema: uma paixão que, mais do que ninguém, Gábbi compartilha comigo. Obrigada, Gábbizitcha. O espaço é todo seu, Lathife Cordeiro {@VisaoArte}

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